ARTIGO

Recrutamento de Talentos de TI no Brasil para Startups

Ilustração: Cristie Marie

A diminuição das oportunidades de emprego é um fenômeno que atinge a todos os profissionais no Brasil, ou existem algumas categorias em pleno crescimento?

Mercado de profissionais de TI no Brasil

De acordo com estudo de mercado (BRASSCOM, 2019) o número de profissionais em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC ou TI) no Brasil, em todos os setores econômicos é ao redor de 1,5 milhão. Esse número considera profissionais que atuam em provedores de soluções em Hardware, Software, Serviços de tecnologia, Cloud (técnica de armazenamento e processamento a partir de servidores não locais, às vezes não proprietários), BPO (sigla em inglês para Business Process Outsourcing, que significa a terceirização de processos de negócios), Voz, Dados (no qual os profissionais são muitas vezes chamados de Core TI) e profissionais de tecnologia de outros setores econômicos (no qual os profissionais muitas vezes são chamados de In House) (SOFTEX, 2019). O 1º setor econômico poderia ser visto como o provedor de tecnologia, enquanto o 2º setor econômico poderia ser visto como o receptor de tais tecnologias.

 

De acordo com a mesma associação, BRASSCOM, a tendência é de crescimento deste mercado com estimativas de contratação de 70 mil profissionais ao ano, com visibilidade até o ano 2024. Ou seja, são 70 mil vagas novas geradas todos os anos. Portanto em um horizonte de 5 anos (2020 a 2024) serão geradas aproximadamente 350 mil novas vagas, demandando profissionais de tecnologia. Uma excelente notícia.  No entanto, há desafios para endereçar esse contingente de demandas por profissionais de tecnologia.

 

Desafio: mercado de TI demanda mais profissionais do que o mercado fornece

Apesar da boa notícia de crescimento de demanda por profissionais de tecnologia, com a geração de 70 mil vagas anualmente até 2024, há um outro aspecto a ser analisado: o de como suprir tal necessidade, ou em outras palavras, como preencher essas vagas com mão de obra qualificada em tecnologia, e evitar, assim, um gargalo no crescimento do país.

 

Uso de alunos recém-formados para suprir as vagas

Uma possibilidade para suprir a lacuna das 70 mil vagas anuais em tecnologia (TIC em geral), seria usar a capacidade das universidades, isto é, à medida que os alunos se graduam nos cursos superiores, eles suprem as vagas. O ponto é que, dada a capacidade atual instalada de universidades e faculdades tecnológicas no Brasil em áreas de exatas, com possível qualificação para o preenchimento da base da pirâmide (pois serão profissionais menos experientes, recém formados), a estimativa é que as universidades consigam gerar ao redor de 46 mil profissionais anualmente com graduação em ensino superior em perfil tecnológico.

 

Portanto, são formados 46 mil profissionais ofertados ao mercado, ansiosos por trabalhar, e a demanda de mercado é de 70 mil profissionais anualmente em tecnologia, requisitados pelas empresas, ansiosas por contratar.

 

Logo a equação: o volume de profissionais formados suprindo o volume de profissionais necessários, “não fecha”, não é resolvida com os alunos formados pelas universidades e faculdades tecnológicas do país, sem olhar aspectos de nível de maturidade requeridos ou conhecimentos em tecnologias mais recentes.

 

Então, como suprir a lacuna de profissionais em tecnologia que o país terá necessidade, ao longo dos anos?

 

Vamos a uma outra possibilidade.

 

Parte dos desempregados para suprir as vagas

O Brasil passa por um período de recuperação econômica, saindo um período de recessão que deixou ao redor de 12% de desempregados em relação à população economicamente ativa (PEA), o que representa ao redor de 13 milhões de profissionais desempregados. E agora entra em um crescimento econômico, até por isso existem as novas vagas em tecnologia.

 

Assim, poderíamos pensar que a equação foi resolvida, isto é, aquelas 70 mil vagas para profissionais em tecnologia seriam preenchidas com parte dos 13 milhões de desempregados. Infelizmente isso não ocorre de forma direta ou imediata, pois a população desempregada, em sua maioria, não tem a qualificação exigida nas vagas em TIC. Existem iniciativas governamentais de reciclagem e requalificação da população para torná-la empregável. No entanto isso leva um tempo. Assim, a necessidade do mercado de tecnologia por profissionais não parece ser suprida no curto prazo. Talvez com ações público-privadas, criando multiplicadores aumentando o número de universidades e faculdades, bem como ampliando o número de empresas voltadas à requalificação de conhecimentos na população desempregada ou mesmo empregada pudesse ser a solução. Mas isso leva alguns anos para ser construído ou fortalecido.

  

Assim, sem novas variáveis adicionadas à equação demanda e oferta de mão de obra qualificada em tecnologia, a questão não é solucionada de imediato e o país terá de conviver com essa característica de menos oferta, decorrendo em profissionais mais caros, e mais exigentes.

 

E as startups têm a mesma necessidade? E para essas empresas, é mais fácil ou mais difícil contratar profissionais de tecnologia? 

 

Vamos nos aproximar um pouco mais de tais empresas e realidades, a fim de tentar responder a essas questões anteriores.

 

Startups no Brasil: procuram-se profissionais de TI

O mercado de empresas startups como um evento de criação de muitas empresas escaláveis e baseadas em tecnologia surge por volta do ano 2000 nos Estados Unidos e no Brasil, a partir de 2010. Ou seja, é um fenômeno recente no país. De acordo com o website especializado em startups, ABStartups, em 2012 eram ao redor de 2.500 em 2015, ao redor de 4.100 jovens empresas, e atualmente existem aproximadamente 13.000 empresas nascentes.

 

Essas startups em seus diferentes estágios de maturidade têm grande demanda por contratar profissionais, principalmente com carreiras em tecnologia. Porém, poucas são as fontes a respeito do número total de vagas abertas, no entanto, conforme estudo da Associação Brasileira de Startups veiculado em reportagem nacional na TV (JN, 2019), existiam ao redor de 5 mil vagas abertas nas startups em abril de 2019. Boa parte dessas vagas são para profissionais de tecnologia, pois as jovens empresas, para ganharem escala, se utilizam de tecnologia, como mecanismo de aumento de desempenho.

 

E como é para elas contratarem profissionais especializados em tecnologia? Vamos então tratar do tema: contratação de profissionais de tecnologia para as startups.

 

Desafio das Startups: contratar profissionais de tecnologia

Já vimos que a demanda por profissionais de TI é maior que a oferta das universidades na proporção de: demanda estimada anual de 70 mil profissionais com a oferta estimada de 46 mil profissionais na base da pirâmide. Diferença de 24 mil profissionais ao ano. No 1º ano, há uma carência de 24 mil, no 2º ano, 48 mil, e assim sucessivamente…

 

 “Onde está o Wally”?

 

A dificuldade de encontrar o profissional qualificado nos remete àquela cena carregada de objetos e seres humanos, todos muito parecidos, do livro “Onde está Wally?”, em como achar “a mosca branca”.

Um efeito imediato da escassez de recursos humanos é o aumento da remuneração dos profissionais existentes. Pois quanto mais qualificados são os profissionais buscados, mais eles são disputados e mais são remunerados. É um jogo caro, para atrair e reter. Muitos são os fatores que atraem e retêm os chamados “talentos”, mas a remuneração é uma variável importante em um jogo de escassez de recursos humanos. E muitos saem de uma empresa para ingressar em outra, atraídos pela remuneração. Todo o mercado sobe sua remuneração. As organizações precisam absorver esses custos mais altos, o que normalmente impacta o seu custo (lucratividade?) e a sua produtividade. A remuneração de mercado é um dos desafios adicionais às startups, bem como outros aspectos que veremos em seguida.

 

Desafios adicionais das Startups

 

Muitos são os desafios da startup. Abaixo menciono alguns específicos da contratação de profissionais de TIC:

 

1.     Assertividade: a empresa jovem não tem tempo para errar na admissão, ou seja, ela não pode demorar para contratar a pessoa certa, e com certeza não pode contratar alguém errado. Um erro na admissão de um profissional pode ser fatal, pois ela não dispõe de gordura para manter profissionais que não produzam o que ela precisa. Ela tem poucos recursos, assim, todos têm bastante relevância.  

2.     Requisitos técnicos: os requisitos técnicos costumam ser mais amplos, no sentido de acumular funções, isto é, muitas vagas têm quase duas ou mais funções em uma mesma vaga. Pois como é uma empresa nascente, ela precisa mais de generalistas (múltiplos skills) do que de especialistas. É comum vermos um Job Description com requisitos de desenvolvimento de software (hands on) e ao mesmo tempo de liderança, além de desejável experiência em desenvolvimento de produto.  É um IT leader com foco em desenvolvimento de sistemas, com experiência em infraestrutura em nuvem, e que também conheça e tenha experiência em criação de lançamento de produtos. Isso no início, pois se a empresa “escalar”, isto é, crescer conforme os planos, os papéis são desintegrados em outros, separando-se, por exemplo, a função de desenvolvimento de software da função de gestão de produtos.

3.     Profissionais ainda mais raros: ao conjunto de requisitos técnicos anteriores, se acrescentarmos conhecimentos e experiências envolvendo Data Science ou Machine Learning, teremos profissionais ainda mais raros (“mosca branca” com faixinha azul na testa) e muito mais caros.

4.     O que é difícil, seleção, atração ou retenção desses profissionais? Todas as anteriores. Esse tipo de profissional altamente qualificado, tanto no nível de gestão (C Level) como no nível de especialização, é difícil de encontrar, difícil de atrair (movido por desafios, e autonomia para realizar, entre outras características do ambiente), demanda novidades, mais espaço e mais desafios, para mantê-los. Caso contrário, ele vai para outra startup (“volta uma casa” no “jogo da startup”). Ele (também) escolhe!

5.     Requisitos comportamentais: preferencialmente profissionais que já tenham tido (boa) experiência em outras startups. Que tenham bastante energia para se dedicar muito ao novo projeto. Se comuniquem bem, sejam proativos, colaborativos, entre outros. Um aspecto comportamental chave, principalmente para os primeiros ocupantes do C level da empresa: profissionais que “comprem” o projeto da nova empresa. Que gostem de tudo, do modelo de negócios, dos fundadores, do propósito, entre outros. E uma regra costuma prevalecer aqui: quanto mais jovem a empresa, menor a chance de ela aceitar um profissional de muito tempo de grandes empresas, por questões de diferentes ambientes e processos. A grande costuma ter muitos processos e a pequena costuma quase não ter processos. (Processos consomem tempo e recursos, startups preferem investir seu tempo de outra forma)

6.     Remuneração: já mencionado anteriormente, aqui amplio e apresento mais detalhes a respeito, e até sugestões de como endereçar o dilema de contratar profissionais mais experientes e que, portanto, demandariam maior remuneração. Pesa muito o aspecto de atrair profissionais com remunerações mais altas, pois uma startup normalmente não tem condições de pagar uma remuneração de um profissional mais sênior equivalente a um que atue em uma empresa média ou grande (apesar do paradigma do parágrafo anterior: quanto mais jovem, menos ela percebe match com um profissional de uma grande empresa). O ideal é um profissional que já tenha atuado em uma startup que escalou e ficou grande, pois dessa forma o profissional teria vivenciado justamente o ciclo planejado da próxima startup, que é crescer e escalar. Mas então retornamos ao início deste parágrafo: como admitir esse profissional pelo que ele já ganha hoje? Uma possível resposta encontra-se abaixo.

7.     Share da empresa: para responder à questão anterior: entra a participação na nova empresa. Ou seja, a nova startup para admitir um profissional sênior que ela necessita, principalmente os primeiros a ocuparem os níveis mais altos (C Level), deve oferecer uma remuneração fixa mais uma participação em ações da empresa. Quanto mais sênior e relevante o papel desse profissional, mais acurado deve ser o processo seletivo. Pois um profissional sênior na startup pode alterar o futuro da empresa, para o bem e para o mal.

8.     Fundos de Investimentos: a entrada de investidores é normalmente um passo importante e positivo para as startups, em seus diversos momentos de maturidade. Desde o investimento anjo, até os investidores de Series A ou Series B são bem vistos, e marcam o momento da empresa. Não apenas pelo capital financeiro investido, mas também, e às vezes, principalmente, pelo capital de conhecimento, processo de Due Dilligence, experiência, relacionamento, social, aportados na startup, pelos fundos. É um momento que prepara a jovem empresa para mais um momento de crescimento, ou de “escalagem”, a fim de que consiga gerar seu próprio sustento. A presença de investidores profissionais sinaliza que a empresa está indo bem, não apenas para os clientes, mas também para os profissionais que estão participando de um processo seletivo, ou mesmo para aqueles que não estão, ainda. Aumenta a atratividade da empresa, aumenta a oferta de profissionais qualificados dispostos a atuarem na empresa.

9.     O que vem primeiro, o profissional bom no C Level ou o investimento? Muitas vezes pensamos que o profissional sênior, bem qualificado irá para a startup quando esta já dispuser de recursos financeiros, o que é verdade. Mas existe também o contrário, isto é, a partir de contratações de ótimos profissionais, principalmente nos postos chave, com boas formações acadêmicas, experiências etc., é que atrai mais ou menos um fundo de investimento. Ou seja, para atrair o ótimo fundo, conta pontos também atrair o ótimo profissional antes. Que depois atrai o fundo, que atrai o profissional, e aí por diante, no ciclo positivo. Óbvio que existem também outros fatores de avaliação do Fundo na empresa, como financeiros, marketing, barreiras de entrada, competidores etc.

10.  Quem contrata na Startup? Se fosse uma questão de múltiplas escolhas, a resposta assinalada seria: Todas as anteriores. Pela importância que tem a contratação de profissionais especializados, novamente, principalmente para os primeiros ocupantes (C Level). Todos devem participar, não apenas o RH (ou gente) se existir alguém com essa responsabilidade na empresa. Normalmente no início não existe a função de Recursos Humanos. Mas voltando, não apenas o CEO deveria se ocupar dessa atividade, mas seus pares, se houver, e seus cofundadores. Ainda, eventualmente, a empresa de recrutamento especializado, ou mesmo amigos de outras startups, ou mesmo investidores anjos podem se envolver em um processo seletivo chave, adicionando uma segunda ou terceira opinião. Não tenha pressa, faça com qualidade. De forma bem simplista o processo de recrutamento tem duas grandes variáveis: a Qualidade (assertividade) e o Tempo. Se tiver que priorizar entre qual dessas duas variáveis escolher, opte pela Qualidade. Não tenha pressa. Vale investir (este é um verbo adequado) tempo em um planejamento detalhado e uma execução cuidadosa. Se delegar, acompanhe tudo o que ocorre no processo seletivo. Se contratar uma empresa externa de recrutamento especializada, participe, faça junto, para que seja uma cocriação, uma coprodução.

11.  E se a startup não estiver em grandes centros? Se a startup estiver nascendo em cidades menores, que não sejam as grandes capitais ou grandes cidades, vale um alerta adicional. Normalmente uma startup nasce em uma grande cidade, com acesso a recursos de todas as formas do ecossistema para o estímulo à criação de uma nova empresa. Ou, se for em uma cidade pequena, ela nasce próxima de um polo de tecnologia, com universidade próxima. A universidade próxima é um grande fornecedor de mão de obra, mas normalmente alcança apenas até o meio da pirâmide de maturidade de profissionais, imaginando a base com profissionais recém-formados ou menos experientes, o meio da pirâmide com profissionais mais plenos, e subindo para o pico com profissionais mais experientes. O problema da falta de mão de obra qualificada se acentua quando pensamos nos tais C Level, ou profissionais especializados bem experientes. Neste caso, a startup terá que buscar alguém de fora da cidade, e a eventual mudança de cidade pode ser um fator inibidor ou que demorará mais tempo para a contratação. Portanto, atenção nestes casos. Às vezes a solução para esse desafio de atração de um profissional sênior para a cidade pequena é resolvida das seguintes formas, ou por meio de combinações entre: profissional se mudar para a cidade, a vaga se tornar parcialmente remota, e até mesmo o C level da empresa se mudar para uma cidade grande. Ou “Todas as anteriores”.

 

Observação deste bloco. Cada um dos itens acima poderia ser expandido e virar um artigo com “vida própria”, face às suas complexidades e detalhes. Mas aqui é só um resumo, e ficaremos apenas com as pontas dos Icebergs.

 

Conclusão

O mercado de contratação de profissionais em tecnologia, tanto no nível diretivo, gerencial como no nível profissional especializado está em alta procura no Brasil. Quanto maiores os requerimentos para a contratação de um profissional (C Level ou especializado) com ênfase em TIC, mais raro será o profissional adequado à vaga, mais difícil de encontrar e, portanto, mais caro será o profissional. Ênfase também no rigor do processo seletivo, que é mais exigente e demanda mais planejamento e especialização. Muita atenção às pessoas envolvidas no processo seletivo, às internas, às externas, aos candidatos aprovados e aos não aprovados.

As empresas startups têm desafios adicionais pelas suas características e requisitos técnicos e comportamentais, principalmente para a composição do primeiro nível. O processo demanda aspectos específicos, diferentes da contratação em uma grande empresa, mas traz também uma grande satisfação para todas as partes envolvidas, empresa, candidatos e terceiros.

 

Resumo: quer empreender e/ou investir no Brasil, com todos seus desafios apresentados? Vá adiante, é um bom momento.

 

Referências Bibliográficas

BRASSCOM. Website: <https://brasscom.org.br/wp-content/uploads/2019/09/BRI2-2019-010-P02-Formação-Educacional-…-em-TIC-v81.pdf> acessado em 16.11.2019. 

JN. JORNAL NACIONAL. website: < https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/04/02/startups-tem-cinco-mil-vagas-abertas-no-pais-a-espera-de-trabalhadores.ghtml> acessado em 17.11.2019.

SOFTEX. Website: <https://softex.br/perfil-do-profissional-brasileiro-de-ti-e-tema-de-estudo-do-observatorio-softex/> acessado em 22.11.2019.